Ângulo Vivo
18.01.2025
01.03.2025
Existe uma espécie de qualidade tátil e harmónica no trabalho de Marco Franco (Lisboa, 1972), algo que poderíamos tacitamente nomear de radiação. Simultaneamente austera e gentil, trata-se de uma aura que se emana da obra em divagações gestuais e sonoras diversas, apesar da sua evidente inércia e mudez. Frequentemente relacionada com a sua obra musical, a expressão plástica de Franco é sincopada pela memória musical que acompanha o artista há mais de duas décadas, concedendo-lhe uma certa pureza inata no que respeita a transmutação de uma idealização sonora para uma concretização visual.
Muitos destes momentos desvelam-se reconditamente em Ângulo Vivo, a segunda exposição do artista na Galeria BRUNO MÚRIAS. Focada, na sua essência, na imprevisível prática escultórica que Franco tem vindo a desenvolver nos últimos dois anos, este conjunto de objetos apresenta a continuação de uma rigorosa investigação do artista acerca da potencialidade da forma geométrica. Para além de uma abordagem escultórica fortemente vinculada a uma prática do desenho (principalmente no que respeita a possibilidade de transformação de um plano a duas dimensões para um plano escultórico), o artista foca-se aqui na reorganização das condições físicas das superfícies que trabalha, conferindo-lhes novas predisposições figurativas a cada expressão singular de um gesto.
Operando segundo uma lógica matemática abstrata, estes trabalhos irradiam perceções difusas no que respeita a sua exata assimilação formal, não só relativamente aos seus inquietos comportamentos internos — curvas, rasgos e torções infligidas ¬—, como, e principalmente, ao questionamento de qual será o corpo original que os sustém. Compreendendo-se, na sua totalidade, de variações do mesmo desenho, todas as esculturas surgem de uma forma triangular. Ora escaleno, retangular ou isósceles, cada robusto e teimoso triângulo em ferro (lacado) ou cobre (oxidado) funciona como uma leve e frágil folha de papel que se urge erguer apesar da sua inevidência corporal. Tratando-se, contudo, de um material com uma memória profundamente condicionada pela sua dureza física em estado sólido, é precisamente através de um conjunto de decisões de dobragem — tanto intuitivas, como estudadas — que o artista informa um corpo outrora plano, num esqueleto complexo relativamente ao seu volume e equilíbrio sem, naturalmente, possibilidade de correção.
Poderíamos igualmente dizer que reside nestes trabalhos uma monumentalidade de escala hipotética, quase como se de negras maquetes para objetos escultóricos de grande escala se tratassem (possibilidade enaltecida pela escolha dos dispositivos da exposição, também desenhados pelo artista). As dissemelhanças que apresentam — nos seus contornos, em particular, e enquanto paisagem, numa visão geral — são como vibrações meditativas que potenciam entre si um pulso trial, repetitivo e acelerado perante o eixo triangular que pontua a exposição. As reminiscências minimalistas que congregam são fruto de uma acumulação de cortes decisivos e fugazes, gestos que procuram no seu interior o seu próprio ruído celular latente. Ausentes de qualquer figuração, é através da estranheza simbólica das esculturas que observamos a sugestão de imagens e movimentos voláteis à sua perceção circundante. Como um disco que gira sobre uma aparelhagem de som, não só é a sua forma plástica alterada consoante a sua rotação, como o próprio eco que emite se transforma e multiplica.
The glass cracks across,
The image
Flees and aborts like dropped mercury [1]
Eva Mendes
[1] Plath, Sylvia, verso de Thalidomide, in Winter Trees, Faber & Faber, 1971, p. 26.
- Marco Franco

MARCO FRANCO
Ângulo Vivo
Vista de exposição

MARCO FRANCO
Ângulo Vivo
Vista de exposição

MARCO FRANCO
Ângulo Vivo
Vista de exposição

MARCO FRANCO
Inversões de giz #100
2024
Cobre oxidado 1 mm
17 x 19,5 x 5 cm

MARCO FRANCO
Treamero #9
2024
Aço bruto 0.6 mm
25,5 x 36 x 10 cm

MARCO FRANCO
Treamero #10
2024
Aço bruto 0.6 mm
34 x 36 x 7,5 cm

MARCO FRANCO
Ângulo Vivo
Vista de exposição

MARCO FRANCO
Treamero #11
2024
Aço galvanizado 1 mm
25 x 37 x 17 cm

MARCO FRANCO
Inversões de giz #101
2024
Cobre oxidado 0.5 mm
12 x 10,5 x 3 cm

MARCO FRANCO
Ângulo Vivo
Vista de exposição

MARCO FRANCO
Ângulo Vivo
Vista de exposição

MARCO FRANCO
Treamero #13
2024
Aço bruto 0.6 mm
15,5 x 60 x 11 cm

MARCO FRANCO
Treamero #12
2024
Aço galvanizado 1 mm
53,5 x 21 x 10 cm

MARCO FRANCO
Treamero #14
2024
Aço galvanizado 1 mm
51,5 x 32 x 11 cm

MARCO FRANCO
Ângulo Vivo
Vista de exposição

MARCO FRANCO
Ângulo Vivo
Vista de exposição

MARCO FRANCO
Ângulo Vivo
Vista de exposição

MARCO FRANCO
Inversões de giz #102
2024
Cobre oxidado 0.5 mm
14,5 x 14 x 4 cm

MARCO FRANCO
Treamero #15
2024
Aço galvanizado 1 mm
37,5 x 27 x 14 cm

MARCO FRANCO
Treamero #16
2024
Aço galvanizado 1 mm
26 x 24 x 21 cm

MARCO FRANCO
Treamero #17
2024
Aço galvanizado 1 mm
40,5 x 23 x 20 cm