Panorama
21.09.2024
09.11.2024
A imagem, provida de uma capacidade interna de se emancipar na sua apreensão semiográfica objectal e espiritual, revela-se frequentemente refém de uma defesa teórica que preside à sua composição. Desafiando esta tendência e informados por um conjunto muito particular de recursos plásticos e visuais, os trabalhos de Jorge Queiroz (Lisboa, 1966) multiplicam-se perante a vertigem da forma que o seu léxico revisita, potenciando em cada fim a possibilidade do seu começo; em cada vazio, uma nova resposta ao espaço em branco – como quem olha o antes e o depois do seu tempo na superfície íntegra de um plano em movimento.
Antítese da sua condição, a imagem que atravessa Panorama é uma linha sincopada e em equilíbrio, a distorção dos trabalhos que reflecte e que encontram na sua convivência o silêncio do seu latejar. Se cada pintura individual opera como um ecrã (centro do olhar e da extensão da imagem em transformação), cada união entre os desenhos e objetos que as pontuam age como ponto de fusão perante as que lhe sucedem. Perpetuando uma espécie de rastilho narrativo activado pela linearidade da montagem, revela-se natural, também, a qualidade do traço enquanto instrumento do pensar. Falamos de uma prática onde não é somente a estranheza da singularidade plástica que concede às composições uma condição de evasão e pausa, antes a junção da sua evidência com a incidência da repetição de um gesto sobre uma matéria não bidimensional. Como trincos oníricos, estes intervalos são nós que atam as pinturas, momentos onde as relações matéricas se transformam em relações de poder consentidas na acidentalidade de um fluxo sensivelmente premeditado – sensação endémica à prática do artista.
Habitadas por portais líquidos e espectrais muito próximos de uma abstração pictórica (onde a profundidade do plano se contrasta com a proximidade da matéria no espaço, visivelmente mais densa à medida que se afasta), as pinturas de Queiroz parecem densificar-se ao desfazerem-se perante a desconstrução do olhar. À semelhança do compromisso entre o desenho e a pintura (que actua como farol perante a organização formal das imagens), também a justaposição de referências e estilos – nomeadamente no que respeita ao recurso à esporádica introdução da figuração no traço; a quase imperceptível multiplicidade cromática do movimento romântico; ou a sinuosidade assimétrica de um fin de siècle –, transforma qualquer leitura de uma aparição momentânea num exercício vão de reconhecimento intelectual relativo a personagens, símbolos ou cenas. A verdade é que estarão sempre presentes, ora mais diluídos na densidade rodeante, ora evidentes ao ponto de nomeação.
As imagens renascem em ecos da sua própria memória eidética, convocando uma qualidade acústica ao rasto das profundas camadas de espaços dentro de um só plano. Uma vez mais, falamos de uma ausência vectorial que permite apenas a certeza de uma continuidade, de constatações existentes apenas no perímetro mental – fulguroso, evidentemente, mas dificilmente associável a factos, tempos ou momentos da ordem do real. A imagem de um cérebro a pensar[1].
Eva Mendes
[1] Jorge Queiroz, https://vimeo.com/560485188

JORGE QUEIROZ
PANORAMA
Vista de exposição

JORGE QUEIROZ
PANORAMA
Vista de exposição

JORGE QUEIROZ
PANORAMA
Vista de exposição

JORGE QUEIROZ
PANORAMA
Vista de exposição

JORGE QUEIROZ
PANORAMA
Vista de exposição

JORGE QUEIROZ
PANORAMA
Vista de exposição

JORGE QUEIROZ
O Pássaro produziu a pena
2024
Acrílico sobre tela
103 x 123 x 5,5 cm

JORGE QUEIROZ
Nó #1
2024
Técnica mista sobre Fimo
Dimensões variáveis
(Objeto: 13,5 x 10 x 2 cm / Desenho: 30 x 21,5 x 3 cm)

JORGE QUEIROZ
Farol palhetas e oboés
2024
Acrílico sobre tela
103 x 153 x 5,5 cm

JORGE QUEIROZ
Nó #2
2024
Técnica mista sobre Fimo
Dimensões variáveis
(Objeto: 19,5 x 12 x 2 cm / Desenho: 30 x 21,5 x 3 cm)

JORGE QUEIROZ
Cardo Marítimo
2024
Acrílico sobre tela
103 x 123 x 5,5 cm

JORGE QUEIROZ
Nó #3
2024
Técnica mista sobre Fimo
Dimensões variáveis
(Objeto: 16,5 x 12 x 2,5 cm / Desenho: 30 x 21,5 x 3 cm)

JORGE QUEIROZ
Seascape, cena que acaba com um par sobre um divã
2024
Acrílico sobre tela
103 x 123 x 5,5 cm

JORGE QUEIROZ
Nó #4
2024
Técnica mista sobre Fimo
Dimensões variáveis
(Objeto: 21 x 14,5 x 3 cm / Desenho: 30 x 21,5 x 3 cm)

JORGE QUEIROZ
O Farol nunca mais voltou
2024
Óleo e acrílico sobre tela
153 x 103 x 5,5 cm

JORGE QUEIROZ
Nó #5
2024
Técnica mista sobre Fimo
Dimensões variáveis
(Objeto: 12,5 x 13 x 4 cm / Desenho: 30 x 21,5 x 3 cm)

JORGE QUEIROZ
O tempo não tem margem
2024
Acrílico sobre tela
103 x 153 x 5,5 cm

JORGE QUEIROZ
Nó #6
2024
Técnica mista sobre Fimo
Dimensões variáveis
(Objeto: 14,5 x 12 x 3,5 cm / Desenho: 30 x 21,5 x 3 cm)

JORGE QUEIROZ
Escuro aveludado para piscar olhos
2024
Acrílico sobre tela
103 x 123 x 5,5 cm